Procura

Procuro alguém que não sei o nome, não sei onde mora, nem quem são os seus amigos. Não sei qual a sua cor favorita, nem a música que lhe faz aumentar o som. Também não sei quantas foram as vezes que já pensou em mim, nem se pensa que um dia irá me encontrar. Mas sei de sua existência, porque conto as coisas do mundo em pares, e isso não será diferente comigo.

(in)Felicidade

Lembro-me de quando conheci Guimarães Rosa, com o qual tive o prazer de descobrir o poder de duas letras. “Infelicidade é uma questão de prefixo”. Não fosse por “I” e “N”, a felicidade não sofreria variações no campo lexical capazes de produzir outro sentido – o sentido contrário. O que a gente faz, então, com a tristeza, essa conhecida como o antônimo da felicidade? Digere. O que não pode é deixar que o prefixo conduza o significado e o radical do sentimento. Enxergar que a infelicidade é tão fácil de ser transformada em felicidade, quanto apagar duas letras, é entender que a dificuldade está em eliminar o que transforma uma na outra.

Perspectiva

As mágoas não doem menos com o passar do tempo, continuam lá, ardendo onde sempre arderam. O tempo só serve mesmo para coloca-las em perspectiva, é quando a gente consegue perceber que existem coisas maiores, e que tudo o que é vivido permanece. Perdoar tem a ver com isso, com a gente perceber que não está sozinho, que mágoas novas sempre vão surgir, e talvez tenha que doer mesmo.

Monólogo

Aos poucos, abandonei as terceiras pessoas. Do plural ao singular. De repente, todos os textos começavam com “eu”, ou eram endereçados a mim. Foi quando compreendi a importância de ser protagonista de si, e me tornei escritor e narrador de mim.

Carta

Cansei de gente que não acrescenta, que conta os beijos e não compartilha os sentimentos. Que não sabe ouvir, e fala tanto que, quando cala-se, até esquece do que realmente acredita. De gente que só tem opinião, e sempre pejorativa, quando atacado. Do contrário mantém-se imparcial e morno. Não gosto do egocentrismo e da falta de reconhecimento que encontro em você. Ser amigo é valorizar o que o outro é e, acima de tudo, considerar o que ele tem a dizer, tendo a certeza de que a intenção é sempre a de colaborar e catalisar a vida, sem coibir o que o outro pensa. Detesto quando você resume num palavrão ou numa frase pífia o que poderia ser um bom momento para diálogo e troca de filosofias. Detesto que mal ouça o que eu digo e, mesmo quando ouve, assente com a cabeça como quem diz: “terminou?” e engata um assunto besta, sem propósito e que não nos une, nem interessa aos dois, que sequer interessa a alguém. Temo ser injusto, mas temo ainda mais perder a minha liberdade de julgar o outro e analisar onde nossos caminhos se encontram e onde eles se perdem. Aliás, quase não encontro mais o trajeto em que estávamos perpendiculados, e fico a questionar quando foi que deixamos de seguir juntos.

Intimidade

Eu quero mais do que simplesmente intimidade: quero ser íntimo de uma pessoa pela casa afora e dentro dela. E passear de vez em quando em seus pensamentos e estacionar manobras curiosas em alguma mania sua como quem se deita no sofá do canto da sala. E conhecer detalhes do seu tratamento dentário, mesmo que ao ouvi-lo falar sobre isso eu me pegue cansado, e distraído apenas pela sonoridade de sua voz. Ouvir o som da voz da pessoa. Esquecer das palavras e ouvir o som apenas, a modulação, a dicção, o timbre, as oscilações. O que agrada os ouvidos se faz agradável ao coração. Acho que não quero intimidade não. Tenho nojinho de intimidade como quem tem nojo dos defeitos dos outros, de expor minha própria fragilidade, de me perder sendo a outra pessoa que sou quando observado e não ser eu mesmo, de verdade, que sou quando estou sozinho.

Mentira

Deixo de acreditar nas pessoas quando as mentiras já não são mais tão convincentes, ou então quando a última mentira foi tão bem contada que por anos quase foi verdade. Mário Quintana tinha razão quando disse que a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer. É exatamente isso: um mero detalhe. Todo mundo mente a todo o momento, do "bom dia" ao "boa noite", do "claro querido" ao "que bom te rever". Não sou contra todas as inverdades do mundo visto que nem tudo precisa ser dito. Ninguém quer a sinceridade sempre por perto, por isso acredito nas verdades mais coloridas e nas mentiras mais convenientes que trazem menos dor e trabalho. É, confuso mesmo. A verdade é que eu nunca deixei de acreditar nas pessoas, mesmo depois de tanta mentira. Hoje finjo e está bom assim. Enquanto as pessoas pensam que me enganam, eu finjo que acredito. E fica por isso mesmo. A única exigência, porém, é que a mentira seja bem contada.

Teor

Por mais que se faça sempre falta alguma coisa, tem sempre um insatisfeito por aí. Insatisfeito por comodismo ou prática em sê-lo. Cada um tem a sua necessidade, o muito para mim pode ser pouco para você e vice e versa. É aquela bendita mania de sempre querer mais. Enquanto isso, todo mundo fica tentando provar que está fazendo o melhor possível, está dando o máximo de sí. Aliás, gostaria de saber como se mede o máximo e o mínimo de cada um. O problema, mesmo, é esperar demais das pessoas.

Medida

Talvez felicidade e beleza demais não seja bom para os humanos. Talvez a felicidade humana (e o amor) tenha que ser administrada ás colheradas. Se tomado direto da garrafa, pode não fazer bem. Cuide para que cada dia seja como uma colherada que deve ser aproveitada até a última gota, aquela curta cota diária que te deixa com vontade de tomar dela hoje, amanhã, depois de amanhã, e depois também. Se for guloso e tomar tudo no bico, acabar-se-á logo e você nem terá sentido todo o sabor.

Retrocesso

Ainda me tira do sério toda essa patifaria. E essa incógnita permanente que é a vida das pessoas, sempre com medo de alguma coisa, receio de um dia ruim, de uma frase mal interpretada, de um sorriso não dado, da falta de compaixão, mesmo, que algumas pessoas tem para com as outras. Há quem diga que isso é a evolução humana, já que o homem também tem instinto predador e caça àquele que atrapalha seu percurso. Porém, de que adianta, então, ser racional? Evolução é mais do que simplesmente mudar ou se adaptar ao meio, é se tornar melhor, aperfeiçoar-se. Assim, essa prática de só se importar consigo mesmo me leva a crer na involução da espécie.

Silêncio

O silêncio é importante, pois permite que o coração seja ouvido, que a mente fique tranqüila e que você se sinta bem com a sua própria companhia. Como já disse Carlos Drummond de Andrade, a solidão gera inúmeros companheiros em nós mesmos. O silêncio permite essa solidão que possibilita o próprio conhecimento.

Ímpar

Às vezes me pego a pensar se o número de pessoas no mundo todo está par ou ímpar. É tão injusto quando se faz uma brincadeira de duplas para crianças sem antes contar em quantas estão. Já é tão triste sobrar nessas brincadeiras, mais triste ainda deve ser sobrar no mundo. Por isso torço para que seja sempre par.

Medo

Se não errar, jamais aprenderei o certo. A dúvida de ter escolhido o caminho errado ou não sempre persegue mesmo, mas me conforta saber que se eu errar conhecerei o certo. Afinal de contas, ninguém escala tão alto sem tropeçar pelo menos uma vez e em cada tropeço aprender onde não se deve pisar. Os erros são como os tropeços, ensinam a forma certa de agir. O medo faz parte da vida da gente. Poucos sabem como enfrenta-lo. Outros, acho que estou entre eles, aprendem a conviver e não o encaram de forma negativa, mas como um sentimento instinto de auto-preservação. Logo, enquanto tiver medo de errar jamais acertarei.

Relicário

É inútil se prender em tentar descobrir os mistérios que envolvem sentimentos e desejos, embora saibamos que jamais alguêm os descobrirá, perdemos o tempo que nos é dado a fazê-lo. São tão poucos os que tem esse previlégio que entender não se faz necessário, senti-lo já basta. Feliz é aquele que aproveita essas dádivas da vida e aceita seu tempo de duração. Não chora porque terminou, sorri porque aconteceu. Afinal, os desejos não precisam de motivos nem os sentimentos de razão.

Preferir

Um riso alheio se fez próspero àquele que já esquecera o que é sorrir. Mais do que dentes a mostra, ruídos de gargalhada, sorrir é o desprendimento, mesmo que por segundos, daquilo que faz sofrer. Se rir de tudo é desespero, prefiro ser desesperado a ser deprimido.

Aula

Toda pessoa é um aprendizado. Pode não ser grande nem significativo o suficiente, mas não deixa de ser um exemplo a ser seguido, ou o contrário disso. É como uma daquelas aulas de história sobre a eugenia em algum governo passado, que não entendemos, nem nos interessamos, mas que por conhece-la, possa fazer alguma diferença um dia. Aprender com aquela pessoa que tanto te tira do sério, a ser paciênte. Com aquela que insiste em te tratar mal, a ser simpático. Até mesmo com aquela que tanto te elogia, a ser modesto. Basta ser sensível ao comportamento dos outros e enxergar a dimensão que uma ação pode alcançar. Portanto, quando a atitude de alguêm te fizer bem não só agradeça, passe a diante, faça o mesmo por alguêm que merece, e quando lhe for desagradável descarte e jamais cometa o mesmo erro, faça o contrário.

Extinta

Há pouco tempo atrás eu tinha tanto medo de perder alguêm que me cobrava fazer de pequenos momentos grandes felicidades. Hoje é nítido que esse mesmo sentimento me é faltoso. Fui anestesiado pela experiência, essa que julgam ser a pré-requisito da maturidade, que me tornou insensível, sem aspiração à relacionamentos duráveis, a longo prazo. Perder pessoas se fez tão constante que a amizade entrou para a lista dos sentimentos em extinção. Nada de conquistar amigos, como quem ganha um presente para a vida toda, aluga-se um amigo como quem aluga uma casa ou um apartamento nas férias, por um período o faz feliz e te trás boas lembranças, que se tornam somente lembranças, entre outras tantas casas, tantas férias. Isso reafirma a teoria do administrador iludido, que planeja e aspira por acumular bens achando que isso lhe trará felicidade e morre sem que o faça. Eu quero é ser o administrador consciente que sabe realmente qual é o melhor investimento e qual o bem mais durável, que não se destrói nem se desgasta por pouco, que permanece tanto na vida quanto na morte: o amigo.

Escória

Como isso é meu e ser meu é faze-lo em primeira pessoa, não vou nem querer, quem dirá fazer, uma introdução digna de aplausos e bocas abertas, a intenção não é essa, nem tão pouco agradar alguém que possa vir a ler, portanto sinto o alívio da liberdade de jogar palavras e espremer pensamentos meus sem me preocupar com o que se vai achar.